Todo mundo gosta de ouvir uma boa história, seja de aventura, um romance ou porque não sobre vinhos. Esta é uma fábula de um grande escritor brasileiro Moacyr Scliar.
"O clube do Vinho
Poucos conhecem o clube do vinho.
Trata-se de uma fechadíssima irmandade de enófilos que se reúne periodicamente para, de acordo com o Regimento Interno, degustar vinhos e discutir suas qualidades. A admissão a esta comunidade é extremamente difícil; as vagas, que se abrem raramente pela morte de um dos sócios, são preenchidas mediante provas teórico-práticas de extraordinário rigor. Na realidade, há anos nenhum candidato é aprovado; isto tem feito crescer o orgulho dos associados, que até bem pouco tempo se consideravam os maiores conhecedores de vinho do planeta.
Esta crença foi abalada após um inquietante incidente...
Uma noite, o Clube reuniu-se para examinar um candidato. Tratava-se de um homem jovem, de aparência humilde; normalmente sua entrada teria sido barrada, até pelo porteiro, mas ele trazia uma carta de recomendação de um sócio já falecido. Como a conseguira, era um mistério; contudo, a assinatura era evidentemente autêntica, e a credencial foi feita.
Após os cumprimentos de praxe e conversações sobre temas triviais, o Presidente sorteou o ponto. Um dos membros apresentou ao candidato um cálice com vinho tinto. Ele provou um gole e, sorrindo identificou corretamente: era um Mauslebenwein da safra de 1898. Interrogado pelo presidente, disse ainda a data da colheita, a hora e temperatura do momento - tudo de acordo com a ficha.
Os sócios do Clube mexiam-se em sua cadeiras, contrafeitos. O homem disse ainda de onde provinha a cortiça com a qual tinha sido fabricada a rolha e a espessura, em milímetros, do vinho da garrafa. O clima, agora era de apreensão: como que, então, havia alguém que soubesse tanto de vinhos quanto os veneráveis membros do Clube? Tentando uma cartada final decisiva, o Presidente perguntou pelo teor de fosfato na terra em que a vinha tinha sido cultivada. O homem não titubeou. Doze miligramas por quilo, disse, sorridente.
_ Lamento - disse o Presidente, friamente. A resposta correta é treze miligramas. Temos que reprová-lo.
Os sócios se olharam alarmados: o Presidente estava mentindo, eles sabiam. Recorrera a esta medida desesperada para impedir a entrada do estranho no Clube. Mas se conformaria este com o veredito?
O visitante, porém, não protestou; limitou-se a sorrir mais uma vez e se retirou. Os membros do Clube ficaram em silêncio durante alguns minutos. Não tinham coragem de se olharem uns aos outros. Mas então um deles gritou:
_ O vinho! Olhem o cálice de vinho!
Olharam: já não continha mais vinho tinto, mas um líquido incolor,
_Água - disse o Presidente, provando o conteúdo do cálice. Fizemos muito bem em reprovar o candidato. Olhem o que ele fez com um excelente vinho!
_ Mas quem era esse homem? Murmurou um dos sócios - Esse homem capaz de transformar vinho em água? Será mesmo que transformou a água em... Não terminou a frase. Não era necessário. Em silêncio, todos deixaram o Clube e recolheram-se a suas casas. Naquela noite, não queriam mais falar em vinho."
Esta leitura fantástica nos motiva a fazer uma reflexão sobre a nossa postura diante do vinho. Pois não há uma verdade absoluta em afirmar se tal vinho é bom ou não, tudo depende do aprendizado que vamos adquirindo com o vinho.